terça-feira, 22 de maio de 2012


Hoje contaram-me uma história irreal que não resisto em partilhar convosco: um pai sai de casa e deixa o filho com a mãe. Até aqui nada de anormal. Coisas do Livre Arbítrio. No dia da sessão de regulação do poder paternal, ficou decidido que a criança ficaria a viver com a mãe, fato a que o pai não se opôs. O irreal vem a seguir, na definição dos dias para estarem juntos e de seguida na definição do valor da pensão de alimentos. No primeiro ponto, os dias para estarem juntos, o pai não podia no dia x, nem na hora y porque estava a trabalhar e a estudar. Os advogados de defesa muito preocupados com o fato iam repetindo: "pois, não pode, veja lá então quando pode ser! Bom mas se no Sábado trabalha ate às 13h, é melhor ir buscá-lo as 14h30 para ter tempo de almoçar!"...No ponto seguinte, a definição do valor da pensão de alimentos, mais uma vez, a preocupação era com o pai, que não tinha rendimentos porque andava a trabalhar e a estudar para dar um futuro melhor ao filho. Os advogados diziam: "Ele coitado não pode dar mais do que 100€ e mesmo isso é muito arriscado e depois não pode dar mais nada, ele não tem, não pode!". A pessoa que me contou isto, informou os advogados que o pai estava a estudar mas estava a ser financiado a 100% para o fazer. Ao que os advogados prontamente e eficientemente disseram: "Isso não conta, as ajudas não contam, só podemos contar com o que ele ganha! e a situação económica dele é precária!" ao que essa pessoa respondeu: "Eu sei que a situação dele é precária, vivi 6 anos com ele e a situação dele foi sempre essa!"...finalmente, feitas as contas, o pai vai pagar menos de 3€ por dia para a mãe prover os alimentos, roupas, teto, conformo, assistência, lazer, higiene, lavagem de roupas, fraldas, etc, etc, etc, mais 50% das despesas de saúde e educação, daqui a 3 anos quando ele entrar na escola. Segundo me apercebo, é um excelente negócio, pelo que, se a mãe quiser que uma ama fique com ele, por motivos profissionais ou de lazer, pelos menos 15€/ hora terá de pagar. Se faltar um dia ao trabalho para o assistir na saúde, pelo menos 50€ serão descontados do seu vencimento/ dia. As noites mal dormidas para o assistir serão da mãe...As viagens para o Hospital...O que me indignou também nesta história, é que ninguém se preocupou com a mãe, se a mãe trabalha e tem tempo para dar assistência ao filho, se a mãe tem dinheiro para sustentar o filho sozinha, se a mãe tem direito a dispor do seu tempo como acontece com o pai. Se fosse a ela tinha sugerido que o pai, em vez de o ir buscar às 14h30 de sábado, fosse às 17h, almoçava, descasava um bocadinho e depois, com calma, ia buscar o filho. Eu, se fosse a ela até tinha oferecido abrigo ao pai, coitado, que trabalha 24h por dia e não tem tempo nem dinheiro para a ajudar a cuidar do filho. Os patrões pagam-lhe mal? fazem-no trabalhar e não lhe pagam? coitado. Ahh e ele teve direito a advogado (apoio judiciário) pago com os descontos da mãe, que há mais de 20 anos trabalha, para parasitas como aquele pai, que nunca fizeram nada na vida e o que fizeram foi sempre à conta das outras pessoas, pais, mulher, namoradas...andarem pela vida fora a pisar os outros. Indignadissima.

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Nunca Me Tinha Apaixonado Verdadeiramente - José Luís Peixoto, in 'Uma Casa na Escuridão'



Escrevi até o princípio da manhã aparecer na janela. O sol a iluminar os olhos dos gatos espalhados na sala, sentados, deitados de olhos abertos. O sol a iluminar o sofá grande, o vermelho ruço debaixo de uma cobertura de pêlo dos gatos. O sol a chegar à escrivaninha e a ser dia nas folhas brancas. Escrevi duas páginas. Descrevi-lhe o rosto, os olhos, os lábios, a pele, os cabelos. Descrevi-lhe o corpo, os seios sob o vestido, o ventre sob o vestido, as pernas. Descrevi-lhe o silêncio. E, quando me parecia que as palavras eram poucas para tanta e tanta beleza, fechava os olhos e parava-me a olhá-la. Ao seu esplendor seguia-se a vontade de a descrever e, de cada vez que repetia este exercício, conseguia escrever duas palavras ou, no máximo, uma frase. Quando a manhã apareceu na janela, levantei-me e voltei para a cama. Adormeci a olhá-la. Adormeci com ela dentro de mim.

Nunca me tinha apaixonado verdadeiramente. A partir dos dezasseis anos, conheci muitas mulheres, senti algo por todas. Quando lhes lia no rosto um olhar diferente, demorado, deixava-me impressionar e, durante algumas semanas, achava que estava apaixonado e que as amava. Mas depois, o tempo. Sempre o tempo como uma brisa. Uma aragem suave, mas definitiva, a empurrar-me os sentimentos, a deixá-los lá ao fundo e a mostrar-me na distância que eram pequenos, muito pequenos e sem valor. E sempre só a solidão. Sempre. Eu sozinho, a viver. Sozinho, a ver coisas que não iriam repetir-se; sozinho, a ver a vida gastar-se na erosão da minha memória. Sozinho, com pena de mim próprio, ridículo, mas a sofrer mesmo. Nunca me tinha apaixonado verdadeiramente. Muitas vezes disse amo-te, mas arrependi-me sempre. Arrependi-me sempre das palavras.

sábado, 12 de maio de 2012

Quando confiar já não é possivel

Como conseguimos viver sem acreditar? Refiro-me ao acreditar no outro, não num sonho ou numa concretização, mas acreditar que o outro estará frente a nós de forma transparente e honesta. Vivo os meus dias a fugir das pessoas e ao mesmo tempo a querer estar no meio delas. Vivo os meus dias a querer apenas ouvi-las e ao mesmo tempo a querer gritar e pedir socorro, abrigo, abraço, conforto. Quando dou por mim a dar um passo no sentido de me entregar e viver intensamente uma nova amizade ou um novo amor caio no mais profundo abismo da incerteza de não ter percebido qual a sua  verdadeira intenção na aproximação. 
Adormeço sozinha. Deambulo pelo sonho e vagueio por ai toda a noite, percorro o universo e aqueço-me de sensações únicas e inesquecíveis mas acordo fria e só, de rosto molhado e cansado.
O meu corpo é meu, pertence-me. Não quero que o uses, não quero usa-lo para dar prazer a alguém, quero usa-lo para nós, para voarmos os dois e adormecer num encaixe perfeito sentindo-me feliz. Quero que me aqueças e ampares, ver a tua face ao adormecer e beijar o teu rosto ao acordar. Não quero ver rostos sem face a passar no meu leito, nem vozes sem som a sussurrar ao meu ouvido. Não quero sentir o perfume estranho na minha almofada. Como posso viver sem acreditar, quando confiar já não é possível? Cada passo que dou me afasta mais do caminho que quero percorrer. Tento adaptar-me mas em vão. Eu não sou assim, não quero ser assim..
Eu sou mais que um corpo, sou mais que aquilo que vês por fora. Eu sei um Mundo, conheço um Mundo e consigo partilhar um Mundo, mesmo sendo apenas uma pequena areia do deserto, ou uma pequenina gotinha de água num imenso oceano e estou viva. Ainda tenho espaço para mais Mundo dentro de mim, tenho muita alma para encher e outro tanto Mundo para conhecer. Nada disto quero fazer sozinha, mas também não consigo dar a alguém a hipótese e o fazer ao meu lado. E agora, como poderei confiar quando confiar já não é possível?

quinta-feira, 10 de maio de 2012

Os pequenos prazeres da vida





Os prazeres da vida estão nas pequeninas coisas. Nas minhas reuniões com pais das crianças que apoio, fico sempre sensibilizada com a capacidade que estes têm de gerir emoções, de contornar situações e de operacionalizar estratégias no meio do caos que certas vidas se tornam por causa das dificuldades desenvolvimentais e/ou comportamentais dos filhos. Hoje foi um desses dias. Deixo-os falar, oiço-os. Penso que hoje a grande dificuldade é deixarmo-nos estar e apenas ouvir o outro. Temos tanta necessidade de falar de nós que deixamos o outro em silêncio ou a falar sozinho. As crianças na escola não ouvem o professor, a escola não ouve a família, a família não ouve a escola, cada vez há menos espaço para ouvir. Nos recreios, nas salas de aula, vivenciamos um concurso de quem fala mais alto para se fazer ouvir. Estamos a criar gerações de egocêntricos, de pessoas cheias de certezas, que não colocam nada em causa e raramente têm dúvidas. Ora o mundo só avança no resultado de dúvidas, de hipóteses que se levantam e se comprovam ou rejeitam, na discussão de ideias e ideais. Hoje senti prazer numa pequena coisa: OUVIR. E claro, tive concerteza de dar a minha opinião técnica, porque também é isso que esperam de mim, que ajude a encontrar uma luz no fundo do túnel. Reforço esta ideia, que ajude simplesmente, porque o caminho cada um tem de percorrer o seu, não necessariamente sozinho.