segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Para Quê?! de Florbela Espanca




Tudo é vaidade neste mundo vão ...
Tudo é tristeza, tudo é pó, é nada!
E mal desponta em nós a madrugada,
Vem logo a noite encher o coração!

Até o amor nos mente, essa canção
Que o nosso peito ri à gargalhada,
Flor que é nascida e logo desfolhada,
Pétalas que se pisam pelo chão! ...

Beijos de amor! Pra quê?! ... Tristes vaidades!
Sonhos que logo são realidades,
Que nos deixam a alma como morta!

Só neles acredita quem é louca!
Beijos de amor que vão de boca em boca,
Como pobres que vão de porta em porta! ...

terça-feira, 6 de agosto de 2013

Calça os meus sapatos e caminha como eu

Nem os sapatos te agradariam, porque a cor não te satisfaz, nem os sapatos te caberiam nos pés, porque já estão largos da longa caminhada. Sou eu que os calço amiúde, entro e saio deles no tempo que encontro dentro  do tempo que vou conquistando. Eles conhecem-me bem e caminham em piloto automático quando os meus pés cansados teimam em desistir. De tão deformados que estão nunca tu os calçarias. Irias tentar compô-los, afasta-los de mim para lhes devolver a forma que imaginas  mais adequada e eu iria ficar nua no caminho seguindo em frente com os pés descalços a sangrar. Os meus sapatos não te serviriam, no entanto privar-me-ias do conforto e do apego que lhes tenho todos os segundos da minha existência. É com eles que me levanto e me deito, e é com eles que deambulo por aí desde sempre. São os MEUS sapatos. Sou eu. Sou aquilo que sou, aquilo que me tornei, aquilo que fiz de mim com aquilo que fizeram comigo. É errado teimar em não querer sapato novo que me maltrate os pés, quando estes se adaptam perfeitamente aos meus pés tão massacrados antes? Sinto-me segura assim, mais confiante. Porque teimas em querer que eu volte às formas justas de sapatos novos, às bolhas que ardem, às dores que impedem o meu andar? Permite-me que siga em frente. Que siga com tranquilidade, mesmo na intranquilidade que já me habituei. Porque até essa intranquilidade é a minha, conquistada/ herdada por mim em resultados dos passos que dei. Não me queiras tranquila para me intranquilizar depois. Tiras-me o tapete debaixo dos pés e não quero, não posso, não devo cair mais sob pena de não mais ter forças para me levantar. Porque não é suficiente aquilo que sou, aquilo que quero ser, aquilo que consigo ser, aquilo que vês que sou? ou não me vês? ou achas que me vês? Ou tens uma imagem de mim que queres consertar a toda a hora? sou imperfeita, mas sou imperfeita para mim também. Os sapatos fazem parte de mim, terei menos valor por estar cansada e querer descansar? por querer ser leve, sentir-me leve? por querer seguir a caminhada com os MEUS sapatos, mesmo sabendo que o caminho vai continuar difícil? apetece-me gritar alto, bem forte, pôr cá fora a raiva de querer ser livre e não conseguir. Apetece-me tapar os ouvidos, seguir contra tudo e contra todos. Eu não sou menos por querer ser fiel a mim própria. Chegarei ao fim do caminho, independentemente das condições. Eu sei ouvir, eu sei pensar, eu sei analisar. E caminho em frente, páro quando tenho de parar. Calça os meus sapatos e caminha como eu e sente o fardo, a humilhação, o casaço, o desespero, talvez assim...me vejas e percebas o que sou.