Hoje contaram-me uma história irreal que não resisto em partilhar convosco: um pai sai de casa e deixa o filho com a mãe. Até aqui nada de anormal. Coisas do Livre Arbítrio. No dia da sessão de regulação do poder paternal, ficou decidido que a criança ficaria a viver com a mãe, fato a que o pai não se opôs. O irreal vem a seguir, na definição dos dias para estarem juntos e de seguida na definição do valor da pensão de alimentos. No primeiro ponto, os dias para estarem juntos, o pai não podia no dia x, nem na hora y porque estava a trabalhar e a estudar. Os advogados de defesa muito preocupados com o fato iam repetindo: "pois, não pode, veja lá então quando pode ser! Bom mas se no Sábado trabalha ate às 13h, é melhor ir buscá-lo as 14h30 para ter tempo de almoçar!"...No ponto seguinte, a definição do valor da pensão de alimentos, mais uma vez, a preocupação era com o pai, que não tinha rendimentos porque andava a trabalhar e a estudar para dar um futuro melhor ao filho. Os advogados diziam: "Ele coitado não pode dar mais do que 100€ e mesmo isso é muito arriscado e depois não pode dar mais nada, ele não tem, não pode!". A pessoa que me contou isto, informou os advogados que o pai estava a estudar mas estava a ser financiado a 100% para o fazer. Ao que os advogados prontamente e eficientemente disseram: "Isso não conta, as ajudas não contam, só podemos contar com o que ele ganha! e a situação económica dele é precária!" ao que essa pessoa respondeu: "Eu sei que a situação dele é precária, vivi 6 anos com ele e a situação dele foi sempre essa!"...finalmente, feitas as contas, o pai vai pagar menos de 3€ por dia para a mãe prover os alimentos, roupas, teto, conformo, assistência, lazer, higiene, lavagem de roupas, fraldas, etc, etc, etc, mais 50% das despesas de saúde e educação, daqui a 3 anos quando ele entrar na escola. Segundo me apercebo, é um excelente negócio, pelo que, se a mãe quiser que uma ama fique com ele, por motivos profissionais ou de lazer, pelos menos 15€/ hora terá de pagar. Se faltar um dia ao trabalho para o assistir na saúde, pelo menos 50€ serão descontados do seu vencimento/ dia. As noites mal dormidas para o assistir serão da mãe...As viagens para o Hospital...O que me indignou também nesta história, é que ninguém se preocupou com a mãe, se a mãe trabalha e tem tempo para dar assistência ao filho, se a mãe tem dinheiro para sustentar o filho sozinha, se a mãe tem direito a dispor do seu tempo como acontece com o pai. Se fosse a ela tinha sugerido que o pai, em vez de o ir buscar às 14h30 de sábado, fosse às 17h, almoçava, descasava um bocadinho e depois, com calma, ia buscar o filho. Eu, se fosse a ela até tinha oferecido abrigo ao pai, coitado, que trabalha 24h por dia e não tem tempo nem dinheiro para a ajudar a cuidar do filho. Os patrões pagam-lhe mal? fazem-no trabalhar e não lhe pagam? coitado. Ahh e ele teve direito a advogado (apoio judiciário) pago com os descontos da mãe, que há mais de 20 anos trabalha, para parasitas como aquele pai, que nunca fizeram nada na vida e o que fizeram foi sempre à conta das outras pessoas, pais, mulher, namoradas...andarem pela vida fora a pisar os outros. Indignadissima.
terça-feira, 22 de maio de 2012
quarta-feira, 16 de maio de 2012
Nunca Me Tinha Apaixonado Verdadeiramente - José Luís Peixoto, in 'Uma Casa na Escuridão'
Escrevi até o princípio da manhã aparecer na janela. O sol a iluminar os olhos dos gatos espalhados na sala, sentados, deitados de olhos abertos. O sol a iluminar o sofá grande, o vermelho ruço debaixo de uma cobertura de pêlo dos gatos. O sol a chegar à escrivaninha e a ser dia nas folhas brancas. Escrevi duas páginas. Descrevi-lhe o rosto, os olhos, os lábios, a pele, os cabelos. Descrevi-lhe o corpo, os seios sob o vestido, o ventre sob o vestido, as pernas. Descrevi-lhe o silêncio. E, quando me parecia que as palavras eram poucas para tanta e tanta beleza, fechava os olhos e parava-me a olhá-la. Ao seu esplendor seguia-se a vontade de a descrever e, de cada vez que repetia este exercício, conseguia escrever duas palavras ou, no máximo, uma frase. Quando a manhã apareceu na janela, levantei-me e voltei para a cama. Adormeci a olhá-la. Adormeci com ela dentro de mim.
Nunca me tinha apaixonado verdadeiramente. A partir dos dezasseis anos, conheci muitas mulheres, senti algo por todas. Quando lhes lia no rosto um olhar diferente, demorado, deixava-me impressionar e, durante algumas semanas, achava que estava apaixonado e que as amava. Mas depois, o tempo. Sempre o tempo como uma brisa. Uma aragem suave, mas definitiva, a empurrar-me os sentimentos, a deixá-los lá ao fundo e a mostrar-me na distância que eram pequenos, muito pequenos e sem valor. E sempre só a solidão. Sempre. Eu sozinho, a viver. Sozinho, a ver coisas que não iriam repetir-se; sozinho, a ver a vida gastar-se na erosão da minha memória. Sozinho, com pena de mim próprio, ridículo, mas a sofrer mesmo. Nunca me tinha apaixonado verdadeiramente. Muitas vezes disse amo-te, mas arrependi-me sempre. Arrependi-me sempre das palavras.
sábado, 12 de maio de 2012
Quando confiar já não é possivel
Como conseguimos viver sem acreditar? Refiro-me ao acreditar no outro, não num sonho ou numa concretização, mas acreditar que o outro estará frente a nós de forma transparente e honesta. Vivo os meus dias a fugir das pessoas e ao mesmo tempo a querer estar no meio delas. Vivo os meus dias a querer apenas ouvi-las e ao mesmo tempo a querer gritar e pedir socorro, abrigo, abraço, conforto. Quando dou por mim a dar um passo no sentido de me entregar e viver intensamente uma nova amizade ou um novo amor caio no mais profundo abismo da incerteza de não ter percebido qual a sua verdadeira intenção na aproximação.
Adormeço sozinha. Deambulo pelo sonho e vagueio por ai toda a noite, percorro o universo e aqueço-me de sensações únicas e inesquecíveis mas acordo fria e só, de rosto molhado e cansado.
O meu corpo é meu, pertence-me. Não quero que o uses, não quero usa-lo para dar prazer a alguém, quero usa-lo para nós, para voarmos os dois e adormecer num encaixe perfeito sentindo-me feliz. Quero que me aqueças e ampares, ver a tua face ao adormecer e beijar o teu rosto ao acordar. Não quero ver rostos sem face a passar no meu leito, nem vozes sem som a sussurrar ao meu ouvido. Não quero sentir o perfume estranho na minha almofada. Como posso viver sem acreditar, quando confiar já não é possível? Cada passo que dou me afasta mais do caminho que quero percorrer. Tento adaptar-me mas em vão. Eu não sou assim, não quero ser assim..
quinta-feira, 10 de maio de 2012
Os pequenos prazeres da vida
Os prazeres da vida estão nas pequeninas coisas. Nas minhas reuniões com pais das crianças que apoio, fico sempre sensibilizada com a capacidade que estes têm de gerir emoções, de contornar situações e de operacionalizar estratégias no meio do caos que certas vidas se tornam por causa das dificuldades desenvolvimentais e/ou comportamentais dos filhos. Hoje foi um desses dias. Deixo-os falar, oiço-os. Penso que hoje a grande dificuldade é deixarmo-nos estar e apenas ouvir o outro. Temos tanta necessidade de falar de nós que deixamos o outro em silêncio ou a falar sozinho. As crianças na escola não ouvem o professor, a escola não ouve a família, a família não ouve a escola, cada vez há menos espaço para ouvir. Nos recreios, nas salas de aula, vivenciamos um concurso de quem fala mais alto para se fazer ouvir. Estamos a criar gerações de egocêntricos, de pessoas cheias de certezas, que não colocam nada em causa e raramente têm dúvidas. Ora o mundo só avança no resultado de dúvidas, de hipóteses que se levantam e se comprovam ou rejeitam, na discussão de ideias e ideais. Hoje senti prazer numa pequena coisa: OUVIR. E claro, tive concerteza de dar a minha opinião técnica, porque também é isso que esperam de mim, que ajude a encontrar uma luz no fundo do túnel. Reforço esta ideia, que ajude simplesmente, porque o caminho cada um tem de percorrer o seu, não necessariamente sozinho.
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