terça-feira, 22 de janeiro de 2008

Para a Alice, mãe do Dido com carinho


Alice, o teu Dido está no céu, feliz, agora é a vez dele tomar conta de ti...
POEMA À MÃE
No mais fundo de ti,
eu sei que te traí, mãe.
Tudo porque já não sou
o menino adormecido.
Tudo porque tu ignoras
que há leitos onde o frio não se demora
e noites rumorosas de águas matinais.
Por isso, às vezes, as palavras que te digo
são duras, mãe,
e o nosso amor é infeliz.
Tudo porque perdi as rosas brancas
que apertava junto ao coração
no retrato da moldura.
Se soubesses como ainda amo as rosas,
talvez não enchesses as rosas de pesadelos.
Mas tu esqueceste muita coisa:
esqueceste que as minhas pernas cresceram,
que todo o meu corpo cresceu,
e até o meu coração
ficou enorme, mãe!
Olha - queres ouvir-me? -
às vezes ainda sou o menino
que adormeceu nos teus olhos;
ainda aperto contra o coração
rosas tão brancas
como as que tens na moldura;
ainda ouço a tua voz:
era uma vez uma princesa
no meio de um laranjal...
Mas - tu sabes - a noite é enorme,
e todo o teu corpo cresceu.
Eu saí da moldura,
dei às aves os meus olhos a beber.
Não me esqueci de nada, mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim.
E deixo-te as rosas.
Boa noite. Eu vou para as aves."
EUGÉNIO DE ANDRADE

Nenhum comentário: